Um dos meus Hinos favoritos é o de número 171, cujo nome é “A Verdade O Que É?”. Na letra de sua música lê-se o seguinte:

A verdade o que é? É o supremo dom que é dado ao mortal desejar, procurai no abismo na treva e na luz, nas montanhas e vales o seu claro som, e grandeza ireis contemplar!

A verdade o que é? É o começo e fim, para ela limites não há, pois que tudo se acabe, a terra e o céu, sempre resta a verdade que é luz para mim, dom supremo da vida será!”

Faço um convite a todos que desejarem ler e participar deste blog: busquemos a verdade, onde quer que ela estiver.

Críticas, comentários e sugestões serão muito bem-vindos, desde que haja o devido respeito. Estou disponível para esclarecer quaisquer dúvidas que meus posts e/ou minhas traduções possam vir a suscitar.

Para quem desejar debater, conversar e tirar dúvidas, este é o e-mail do blog: averdadesud@hotmail.com.


domingo, 5 de dezembro de 2010

Um Universo Que Não Foi Feito Para Nós


O texto abaixo foi extraído do livro de Carl Sagan, Pale Blue Dot.

Partes desse texto, narradas pelo próprio Carl Sagan, podem ser vistas  no YouTube AQUI.



Nossos antepassados compreendiam suas origens extrapolando a partir de sua própria experiência. Como poderia ser de outra maneira? 

Assim, o Universo nasceu de um ovo cósmico, foi concebido pela relação sexual de um deus-mãe e um deus-pai, ou é um produto da oficina do Criador – talvez a última de muitas tentativas fracassadas. 

E o Universo não era muito maior que o alcance de nossa vista, nem muito mais antigo que nossos registros escritos ou orais, nem qualquer uma de suas partes era muito diferente dos lugares que conhecíamos.

Em nossas cosmologias, tendemos a tornar as coisas familiares. Apesar de todos os nossos esforços, não temos sido muito inventivos. No ocidente, o Céu é plácido e macio e o Inferno lembra o interior de um vulcão. 

Em muitas histórias, os dois reinos são governados por hierarquias dominantes chefiadas por deuses ou demônios. Os monoteístas falavam do rei dos reis. Em toda e qualquer cultura, imaginamos o Universo governado por algo parecido com nosso próprio sistema político. Poucos acham a similaridade suspeita.

Então surgiu a ciência e nos ensinou coisas não imaginadas, que o Universo não é obrigado a se adaptar ao que consideramos confortável e plausível. Aprendemos alguma coisa sobre a natureza idiossincrática de nosso bom senso. A ciência levou a autoconsciência humana a um nível mais elevado. Esse é certamente um rito de passagem, um passo para a maturidade. Contrasta fortemente com a infantilidade e o narcisismo de nossas noções pré-copernicanas.

É claro que a idéia encanta a nossa vaidade. “O que um homem deseja, ele também imagina ser verdade”, disse Demóstenes. “A luz da fé faz com que vejamos aquilo em que acreditamos”, admitia alegremente santo Tomás de Aquino. Mas acho que talvez haja outra razão.  
Existe um tipo de etnocentrismo entre os primatas. A qualquer pequeno grupo em que por acaso nascemos, devotamos amor e um sentimento de lealdade apaixonados
Os membros dos outros grupos estão abaixo da crítica, merecendo rejeição e hostilidade. O fato de ambos os grupos serem da mesma espécie, virtualmente indistinguíveis a um observador de fora, não faz a menor diferença. Esse é certamente o padrão entre os chimpanzés, nossos parentes mais próximos no reino animal.
 
Todos os demais são algo diferente, algo menos humano. Se essa é a nossa maneira natural de ver o mundo, não deveria causar surpresa que toda vez que emitimos um julgamento ingênuo sobre nosso lugar no Universo – um juízo que não seja temperado por um exame cientifico cuidadoso e cético – quase sempre optamos pela centralidade de nosso grupo e circunstancia. Além disso, desejamos acreditar que se trata de fatos objetivos, não de nossos preconceitos que, por fim, encontram uma vazão sancionada. 
 Por isso, não é muito divertido ter uma gangue de cientistas arengando incessantemente: “Você é comum, não tem importância alguma, seus privilégios são imerecidos, não há de especial a seu respeito”. Depois de algum tempo, mesmo os mais pacíficos poderiam aborrecer-se com a repetição dessas fórmulas e com aqueles que insistem em aceitá-las. Até parece que os cientistas experimentam alguma estranha satisfação em humilhar os seres humanos. 
Por que não podem descobrir algum aspecto em que sejamos superiores? Animar o nosso espírito! Exaltar-nos! Nesses debates, a ciência, com seu mantra de desencorajamento, parece fria e remota, desapaixonada, distanciada, indiferente às necessidades humanas. 
E, de mais e mais, se não somos importantes, nem centrais, nem a menina dos olhos de Deus, o que tudo significa para nossos códigos morais de base teológica? A descoberta de nossa verdadeira posição no cosmo enfrentou uma resistência tão longa e de tal grau que ainda se encontram muitos vestígios do debate e, às vezes, os motivos dos adeptos do geocentrismo são desnudados.
O que realmente queremos da filosofia e da religião? Paliativos? Terapia? Consolo? Queremos fábulas tranqüilizadoras ou a compreensão de nossas verdadeiras circunstâncias? A consternação pelo fato de o Universo não se adaptar a nossas preferências parece infantil. 

É de se supor que os adultos ficariam envergonhados de publicar esse desapontamento. O modo elegante de manifestá-lo não é culpar o Universo – que realmente parece despropositado – mas culpar o meio pelo qual conhecemos o Universo, isto é, a ciência.

A ciência tem nos ensinado que, por termos a habilidade inata de enganar a nós mesmos, a subjetividade não pode imperar livremente.

Em alguns aspectos, a ciência superou em muito a capacidade da religião de criar uma admiração reverente. Por que será que nenhuma das grandes religiões examinou a ciência e concluiu: “Isto é melhor do que pensávamos! 

O Universo é muito maior do que diziam os nossos profetas, mais grandioso, mas sutil, mas elegante. Deus deve ser maior do que imaginávamos!”? Em vez disso, dizem: “Não, não, não! Meu Deus é um deus pequeno e quero que ele continue assim”. Uma religião, antiga ou nova, que acentuasse a magnificência do Universo revelada pela ciência moderna poderia atrair reservas de reverência pela ciência moderna poderia atrair reservas de reverência e admiração ainda não canalizadas pelos credos convencionados. Mais cedo ou mais tarde, essa religião vai aparecer. 
Se você vivesse a dois ou três milênios, não seria vergonhoso afirmar que o Universo foi feito para nós. Era uma tese atraente, conciliável com tudo o que conhecíamos; era o que os mais cultos dentre nós ensinavam sem ressalvas. Mais descobrimos muitas coisas desde então. Defender essa posição hoje em dia significa desconsiderar propositadamente a evidência e fugir do autoconhecimento.

Para muitos de nós, essas desprovincianizações ainda são motivo de exasperação. Mesmo que seu triunfo não seja completo, elas minam a confiança – ao contrário das felizes certezas antropocêntricas, impregnadas de utilidade social, dos tempos anteriores. Desejamos estar na Terra para alguma finalidade, mesmo que nenhuma seja evidente apesar de todos os nosso auto-enganos.
O nosso tempo está oprimido sob o peso cumulativo dos sucessivos desmascaramentos de nossas presunções: somos os retardatários. Vivemos na aldeia cósmica. Derivamos de micróbios e estrume. Os macacos são nossos primos. Nossos pensamentos e sentimentos não estão plenamente sob nosso controle. É possível que existam muitos seres mais inteligentes e muito diferentes em outros lugares. E, além do mais, estamos estragando o nosso planeta e nos tornando um perigo para nós mesmos. 
O alçapão sob nossos pés se abre de repente. Descobrimo-nos numa queda livre sem fim. Estamos perdidos numa grande escuridão e não há quem envie um grupo de busca. Diante da realidade tão dura, é claro que nos sentimos tentados a fechar os olhos e fingir que estamos seguros e abrigados em casa, que a queda não passa de um pesadelo.

Falta-nos um consenso sobre nosso lugar no Universo. Não existe nenhuma visão do longo prazo sobre o objetivo de nossa espécie que tenha aprovação geral; a não ser, talvez, a da simples sobrevivência. Sobretudo quando os tempos estão difíceis, procuramos desesperadamente encorajamento, ficamos mais dispostos a ouvir que somos especiais, mesmo que as evidências sejam tão frágeis.  


Se precisamos de um pouco de mito e ritual pra atravessar uma noite que parece sem fim, quem dentre nós não simpatiza e compreende?
Se nosso objetivo, porém, não é uma segurança superficial, mas conhecimento profundo, os ganhos dessa nova perspectiva sobrepujam em muitas perdas. Quando dominamos o medo de ser minúsculos, vemo-nos no limiar de um Universo vasto e terrível que eclipsa totalmente – em tempo, em espaço e em potencial – o bem arrumado palco antropocêntrico de nossos antepassados. 

O nosso olhar pode atravessar o espaço de bilhões de anos-luz para contemplar o Universo pouco depois do Big Bang, e sondamos a estrutura sutil da matéria. Examinamos o âmago de nosso planeta e o interior em chamas de nossa estrela. Deciframos a linguagem genética em que estão escritas as diversas habilidades e inclinações de cada ser sobre a Terra. Revelamos capítulos ocultos no registro de nossas próprias origens e, com alguma dose de angústia, compreendemos melhor nossa natureza e nossas perspectivas.

Inventamos e aprimoramos a agricultura, sem o que quase todos morreríamos de fome. Criamos medicamentos e vacinas que salvam a vida de bilhões. Comunicamo-nos à velocidade da luz e damos a volta ao redor da Terra em uma hora e meia.

Enviamos dúzias de naves a mais de setenta mundos e quatro sondas às estrelas. Temos razão de nos alegrar com nossas realizações, de sentir orgulho pelo fato de nossa espécie ter sido capaz de enxergar tão longe e de julgar nosso mérito seguindo em parte essa mesma ciência que tem de tal forma esvaziado as nossas pretensões.

Para os nossos antepassados, muitas coisas na natureza deviam ser temidas: raios, tempestades, terremotos, vulcões, pragas, secas, longos invernos. As religiões nasceram, em parte, como tentativas de aplacar e controlar, ainda que pouco fizessem para compreender, o aspectodesordenado da natureza. A revolução científica permitiu que vislumbrássemos um Universo ordenado, subjacente, em que havia uma harmonia literal dos mundos.

Se compreendemos a natureza, existe a perspectiva de controlá-la ou, pelo menos, de mitigar de danos que possa causar. Nesse sentido, a ciência trouxe esperança.

Como seria mais satisfatório se tivéssemos uso de acordo com nossas conveniências. Uma famosa história na tradição ocidental tem enredo parecido, exceto que nem tudo o que havia no jardim era para nós. Não devíamos provar os frutos de uma árvore especial, a árvore do conhecimento. 

O conhecimento, a compreensão e a sabedoria nos eram proibidos nessa história. Devíamos manter-nos ignorantes. Mas nada pudemos fazer contra nós mesmos. Estávamos famintos de conhecimento; a bem dizer, fomos criados famintos. Essa foi a origem do todos os nossos males. 
Particularmente, é por isso que já não vivemos num jardim: descobrimos demais. Enquanto éramos obedientes e sem curiosidade, assim imagino, consolávamos com nossa importância e centralidade, dizendo a nós mesmos que éramos a razão da criação do Universo. Quando, porém, começamos a satisfazer a nossa curiosidade, a explorar, a aprender como o Universo é realmente constituído, expulsamo-nos do Éden. 
Anjos com uma espada flamejante foram colocados com sentinelas nos portões do Paraíso para barrar o retorno. Os jardineiros se tornaram exilados e errantes. 
De vez em quando lamentamos o mundo perdido, mas isso me parece piegas e sentimental. Na ignorância, não poderíamos ter vivido felizes para sempre.
Muito do que existe nesse Universo parece ter um designo. Toda vez que, por acaso, encontramos esses elementos, damos um suspiro de alívio. Estamos sempre esperando encontrar, ou pelos menos inferir, com boa margem de segurança, um Criador.
Mas, em vez disso, descobrimos repetidamente que processos naturais – a seleção dos mundos por colisão, por exemplo, a seleção natural em reservatórios genéticos ou, até mesmo, o padrão de convecção em uma panela de água fervendo – podem extrair ordem do caos e nos induzir ao erro de inferir designo onde não existe nenhum. 
A importância de nossa vida e de nosso frágil planeta é, portanto, determinada apenas pela nossa própria sabedoria e coragem. Nós somos os guardiões de significado da vida. 
Desejamos pais que cuidem de nós, que perdoem os nossos enganos, que nos salvem de nossos erros infantis. Mas o conhecimento é preferível à ignorância. 
É muito melhor abraçar a verdade dura do que uma fábula tranqüilizadora. Se desejamos um propósito cósmico, então é preciso encontrar para nós mesmos um objetivo digno.

Um comentário:

  1. Sou um grande admirador dos textos do Carl Sagan e acho que independente dos conceitos filosóficos de cada um, "nosso planeta" é quem mais sofre quando colocamos "à prova" mais uma vez, nossa capacidade de assimilar conceitos religiosos em nosso modo de "Amar e enxergar" o mundo que vivemos. A civilização conhecida como pensante "raça humana" ainda é muito imatura perante a grandiosidade do "cosmo" diante de tais assuntos.

    Tratando-se de temas "religiosos", percebi que as principais crises mundiais durante a história da humanidade foram "fomentadas" por "motivações religiosas de todos os povos, e, durante séculos de povoamento neste "pequeno pedaço de terra" que "chamamos de lar".

    Sendo assim, antes de "alimentar " mais intolerância e discórdia, devemos amadurecer muito ainda, como civilização, e, assim, estaremos mais próximos de uma "consciência universal", para, da melhor forma, "abreviar" todo o tempo que perdemos como "civilização terrestre". (Ney Araujo)

    Saudações,

    Ney Araujo

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